quinta-feira, 14 de julho de 2011

Palavras que emocionam.

 Artigo: Devassas s.f.pl. 1. Mulheres. Kakakaka!

por Ismar Inácio dos Santos Filho - Prof° substituto Uneal - Campus I, Mestre em Estudos de Linguagem (UFMT), Doutorando em Linguística (UFPE) e Bolsista  CNPq-BR.

Neste último fim de semana, Arapiraca assistiu, no Sesi Senai, a peça teatral “Devassas – o que as mulheres gostariam que fizessem com elas na cama”, um monólogo, com a atriz Ivana Iza. O título da peça provoca-nos inúmeras indagações, pelo fato de que, para o senso comum dominante de nossa cultura, em sentido literal, “devassa” é aquela mulher que foge aos padrões da sexualidade instituída para as mulheres, é aquela que se permite ao prazer sexual, quebrando as regras socialmente construídas para o que poderia ser chamado de “mulher de família”, “mulher descente”. Em um linguajar bem nordestino, e bem sertanejo, “devassas” significa “quengas” – mulheres safadas. Assim, tem entoação pejorativa, negativa, inferior. Por essa perspectiva, “devassas” seriam mulheres de menor valor.
Desta maneira, quando o senso comum pensa as mulheres pela adjetivação “devassas”, estas são pensadas como se fossem todas iguais, como se fossem universalmente o mesmo ser. Logo, todas, as que se valorizam, devem ter a mesma sexualidade. Ou melhor, nesse raciocínio, a mulher não pode ter sexualidade, deve simplesmente atender à sexualidade do marido, o único homem com quem deveria manter relações sexuais. Se o adjetivo “devassas” leva-nos a todo esse contexto de compreensão acerca da mulher e sua sexualidade, que significados são, de fato, apresentados na peça?
O texto teatral “Devassas” permite que compreendamos que não é possível pensar a mulher como se fosse um ser único. Ao contrário, deixa muito evidente, e de forma bem humorada, que as mulheres não são iguais, são bem diferentes, cada uma com um jeito específico de ser: seja uma adolescente com desejos sexuais ou uma recém-viúva esquecida sexualmente há anos pelo marido, agora, falecido. Outro aspecto de grande importância que a peça faz enxergar é que a mulher tem sexualidade. Isso mesmo: a mulher tem sexualidade.
Se para os estudos científicos, isso não é novidade, para muitos, ou quem sabe, a maioria dos homens, a mulher não tem e não pode ter sexualidade. Isto é, a mulher não pode ter desejos sexuais.
No palco de “Devassas”, as mulheres são convidadas a ter sexualidade, a querer ter sexualidade, a exibir sua sexualidade, a lutar por sua sexualidade. A mulher é apresentada à sexualidade – às muitas possibilidades de ser e sentir prazer, na busca de realizar seus desejos afetivos sexuais. Entre as longas e altas risadas, que são incontroláveis, o público vai construindo os significados de que a mulher tem o direito de ter vários orgasmos, que a mulher tem o direito de ter prazer total, que a mulher tem que ser ousada, que a mulher tem direito ao sexo anal, que a mulher pode e deve dizer, quando assim parecer oportuno, “meu bem, isso não rola”: o direito de dizer não ao esposo, namorado, paquera, ficante, peguete, desconhecido, vizinho, etc., dizer que não quer, não estar afim, que se enganou. A mulher tem o direito de ser “devassa” sem que isso signifique que ela é quenga, sem que isso signifique que ela é de menor valor.
Em “Devassas”, o discurso é o de que a mulher, simplesmente pelo fato de ser mulher, é, deveria ser, pode ser, devassa, pode e deve fugir aos padrões de sexualidade instituídos para as mulheres. Entretanto, ser devassa não é ser safada. Devassa pelos olhos dessa narrativa teatral não é uma característica negativa ou de menor valor. Ao contrário, ser mulher já deveria significar ser devassa. Ou seja, ser mulher/devassa não é algo feio ou errado, é o mais natural do feminino, quando isto revelar seus desejos. Pelo apresentado, em sua performance, Ivana Iza possibilita às mulheres e aos homens repensar o que significa ser mulher, o que significa ser devassa, e apresenta-nos, em linguagem socialmente muitas vezes proibida, outras possibilidades de ser mulher. E deixa escancarado o que as mulheres querem na cama: respeito.
Deste modo, ser mulher é sim ser devassa e, assim, se a palavra aparecer no dicionário vai ser, desta maneira, apresentada: devassas s.f.pl. 1. Mulheres (uma palavra feminina no plural que possui uma única acepção: mulheres). Kakakaka!

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