terça-feira, 24 de maio de 2011

Cheiro bom do sereno da manhã

Creio que a dramaturgia alagoana por ser sazonal e soluçante... sempre carece de espanadas e sopros ! Estímulos prementes para uma produção mais efetiva que, decerto, garantirá um reconhecimento ou credibilidade por parte dos encenadores, atores e público. Felizmente que nesse horizonte, de magistral calmaria, nosso vento nordeste embalou com mais furor as palmas de nossos coqueiros, levantou poeira, retirou argueiros, aclarou ideias e permitiu que o bem te vi cantasse com mais clangor! E, com tal acontecimento, o resultado é o surgimento de mais uma ferramenta na oficina de carpintaria teatral maceioense. O que nos deixa com uma sensação de leveza, como estar em balanço de rede em alpendre e a sentir o “cheiro bom do sereno da manhã”!
Não é função do dramaturgo a criação de uma peça, apenas, como literatura. Observação que se percebe na escrita de “Devassas”, porque suas personagens fazem as palavras dependerem delas. E não inversamente, deixando as personagens à mercê das palavras. “Devassas” se mostra em extrema e intensa interação emocional com a platéia, advinda de sua escrita. Uma contemporaneidade na construção de uma dramaturgia sem esquecimento dos cânones tradicionais e consagrados. Uma inteligente reinvenção que não deixa de privilegiar a palavra, o gesto, o ritmo e o tempo. Uma demonstração de que o texto dramatúrgico deverá ter como escopo a reprodução dos diálogos sociais com suas aspirações, sonhos e esperanças. Uma comédia bem elaborada e absolutamente atual que instiga o riso, que é a melhor forma de castigar a falsa moral –“castigat ridendo mores” – enquanto propõe a definitiva emancipação sexual feminina. Afinal a mulher não é caudatário do homem e não há mais tempo nem espaço para o ranço de conceitos judaicos cristãos. A mulher não é pior que a morte e tem alma! Chega e basta de Eclesiastes e Concílio de Trento !
Sindeclyde e suas companheiras me fazem lembrar de Lisístrata a promover uma greve de sexo. Sinde, com suas caixinhas plásticas, me acena com uma atual e divertida reinvenção de Pandora. Anula, dessa criação de Zeus, a pecha que lhe impuseram de responsável por tirar de uma caixa e deitar ao mundo, todos os males e infortúnios. E confirma vigorosamente que o maior legado de Pandora, é a crença na esperança. Sindeclyde, Amanda Kelly e Carmem se mostram como metáfora de força, verdade, beleza,liberdade,esperança... E não como forças do mal e da vulgaridade.
Ivana, a querida e consagrada atriz, mais uma vez se mostra absoluta e surpreende a todos como dramaturga laureada. Esse seu sincrônico exercício como autora e atriz, remete ao recurso “Deus ex machina” do teatro de Eurípedes onde, ao final do espetáculo, os deuses desciam numa “machina tractoria” para solucionar problemas . Haja vista que nas comédias, uma de suas características, se encaminha um final feliz para a “fala do pano”. Porém a solução que a autora-atriz determina, mais simples e funcional, é estar só em cena exorcizando problemas com um riso inteligente por ter a falsa aparência de vulgar e alvar. Em “Devassas” soluções são encontradas e continuadamente exibidas com graça.
Bem escolhido e bem urdido o fio das palavras, que formam frases e que levam a uma sequência de muitas possibilidades para a construção das cenas. Deixando bem aclarado que as figuras de autora e atriz se conjugam harmoniosamente com a direção. A propósito... que graça a aparição do diretor Flávio Rabelo, à guisa de um Alfred Hitchcock caeté.
Com “Devassas” se confirma que ninguém carece de saberes em excesso. Carecemos, apenas, do essencial. Mas disso Ivana sabe, pois sabe ser do teatro. Nossa estrela múltipla, com seu “fulgor de leone”, tudo pode pois sua ousadia tem bagagem, talento, poder e magia !

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Homero Cavalcante
Dramaturgo e Professor de Interpretação do Curso de Licenciatura em Teatro
Universidade Federal de Alagoas - UFAL
22.05.2011

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